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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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URGÊNCIAS ABDOMINAIS NEONATAIS: BASES PARA O DIAGNÓSTICO

Maria do Rosário Matos

Serviço de Radiologia do Hospital Dona Estefânia – Centro Hospitalar de Lisboa Central, Lisboa. Coordenação do Serviço - Dra. Eugénia Soares

Congresso nacional de Radiologia (CNR) 2014, Curso Pré-Congresso
7 e 9 de Maio de 2014 em Tróia

Objectivos: Reconhecer as manifestações clínicas das diferentes situações de abdómen agudo neonatal, e correlacioná-las com os achados imagiológicos, sobretudo radiográficos.

Introdução: Na radiografia simples do abdómen o ar do tubo digestivo é geralmente objectivado no estômago poucos minutos após o nascimento, e sensivelmente às 3 horas de vida a maior parte do intestino delgado contém gás. Às 12-24 horas, deverá estar presente ar na sigmoideia num recém-nascido saudável. A radiografia simples, pela fácil acessibilidade e leque de informação que disponibiliza é habitualmente o exame de primeira linha na marcha diagnóstica. São analisados, entre outros, os seguintes aspetos: a dilatação diferencial do intestino e número de ansas dilatadas, efeitos de massa e afastamento de ansas intestinais, a presença de ar intra-mural, ar venoso portal e pneumomediastino. A ecografia desempenha um papel contributivo cada vez mais importante, que pode ser diagnóstico. A análise da posição relativa dos vasos mesentéricos, da topografia das ansas intestinais, o peristaltismo, a deteção de líquido intra-peritoneal, o espessamento parietal das ansas, a perfusão intestinal (estudo Doppler), a distensão de ansas, o ar na parede intestinal, a presença de aeroportia, , o sinal de Whirlpool de ansas, a deteção de um microcólon, entre outros, são sinais extremamente relevantes nas situações de urgência abdominal neonatal. Os estudos contrastados do trato gastrointestinal são exames potencialmente importantes, sobretudo nas situações de obstrução. A Tomografia Computorizada e a Ressonância Magnética desempenham, neste contexto, um papel secundário. Apresentam-se de seguida, de forma resumida, algumas das entidades abordadas na sessão.
Atresia/Estenose Duodenal - São anomalias congénitas caracterizadas por uma obstrução completa ou estenose do lúmen duodenal. Clinicamente, as crianças apresentam vómitos biliares, exceto nos raros casos em que a obstrução ocorre acima da ampola de Vater. São diagnósticos diferenciais a má-rotação com bandas de Ladd (compressão extrínseca) e volvo do intestino médio, nas quais a obstrução pode ser parcial ou completa, a presença de uma membrana duodenal, que cursa como obstrução incompleta, o pâncreas anular e a veia porta pré-duodenal. A radiografia abdominal simples demonstra um padrão gasoso em “dupla bolha”, correspondendo a gás ou níveis hidro-aéreos no estômago e duodeno proximal. A ausência de ar no reto indica uma obstrução completa. O estudo contrastado do tubo digestivo poderá ser solicitado, sobretudo na suspeita de uma obstrução parcial alta, obtendo-se a confirmação de um compromisso focal do calibre do duodeno. Na ecografia neonatal é comum identificar-se poli-hidrâmnios e o sinal da dupla bolha, este também sobressaindo no exame pós-natal.
Má-rotação intestinal - Traduz uma falha na rotação e fixação do intestino durante o desenvolvimento intra-uterino. O encurtamento e posição anormal da raiz do mesentério predispõe o intestino
à torção, com volvo do intestino médio. É uma emergência cirúrgica que exige um diagnóstico precoce para evitar a isquemia intestinal e complicações potencialmente fatais. Associa-se à presença de bandas fibrosas de Ladd, a hérnias internas e isomerismo. A radiografia simples pode estar normal ou mostrar uma distensão ligeira do estômago e duodeno. A normal relação da artéria mesentérica superior e veia na ecografia não exclui o diagnóstico de má rotação, mas outros sinais são indicativos, como o sinal do Whirlpool e a topografia das ansas intestinais. O exame contrastado do tubo digestivo pode ser diagnóstico, demonstrando uma posição anómala do ângulo de Treitz, e o sinal do “saca-rolhas”, indicativo de volvo.
Atresia jeunal/Ileal: Anomalia congénita, que se caracteriza clinicamente por vómitos biliares após o nascimento. Corresponde à obliteração ou estenose do lúmen jejunal ou ileal. A radiografia simples é a investigação inicial, evidenciando ansas distendidas, em número crescente quanto mais distal for a zona de obstrução. O intestino a jusante será isento de gás. O clister opaco demonstra a presença de um microcólon de desuso, exceto nas obstruções mais proximais do jejuno. O trânsito demonstra foco/s de obstrução e auxilia na distinção entre estenose e atrésia.
lius Meconial: Corresponde à obstrução distal do intestino delgado por impactação de mecónio. Mais de 90% dos casos estão associados a fibrose quística. O doente apresenta vómitos, distensão abdominal e não evacuação de mecónio. As complicações incluem o volvo, a isquemia intestinal, necrose e a peritonite meconial. A radiografia simples do abómen revela múltiplas ansas distendidas, e eventualmente um aspecto em "sopa de bolhas" na FID corrspondendo à mistura de ar e mecónio. O clister opaco demonstra a presença de um microcólon, achado inespecífio também encontrado na atrésia ileal. Este exame pode ser terapêutico, nomeadamente quando realizado com um contraste hipertónico.
Enterocolite necrotisante (NEC): É uma patologia inflamatória/isquémica intestinal ocorrendo sobretudo no recém-nascido prematuro, ou bebés de termo com patologia associada. O índice de mortalidade ronda os 30%. Sinais na radiografia do abdómen que sugerem NEC, incluem a dilatação de ansas intestinais, um padrão gasoso fixo, o espessamento da parede e gás intra-mural, aeroportia e pneumoperitoneau. A ecografia também contribui na detecção de ascite, na análise da parede do intestino e na exclusão de aeroportia.
Conclusão: As urgências abdominais são potencialmente fatais neste grupo etário tão delicado, justificando-se por parte do médico radiologista o reconhecimento das principais patologias e padrões radiológicos relacionados.

Bibliografia
Krishnam M, Curtis J, Emergency Radiology, Cambrige University press 2010.
Monica Epelman, M et al, Necrotizing Enterocolitis: Review of State-ofthe-Art Imaging Findings with Pathologic Correlation. RadioGraphics 2007; 27:285–305        
Berrocal T et al, Congenital Anomalies of the Small Intestine, colon and Rectum. Radiographics 1999; 19: 1219-1236
Berrocal T et al, Congenital Anomalies of the Upper Gastro-Intestinal Tract. Radiographics 1999; 19:855-872
Figura 1 – Sinal da “dupla bolha” na atrésia duodenal
Figura 2 – Whirlpool ecográfico com torção dos vasos mesentéricos numa situação de má-rotação intestinal com volvo
Figura 3 - Atrésia ileal. Dilatação de ansas intestinias e ausência de gás no recto (A); microcólon de desuso (B)
Figura 4 – NEC. A: dilatação de ansas intestinais (A); radiograma obtido 8 horas depois demonstra pneumatose intestinal