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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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ENCEFALOPATIA OU PARALISIA CEREBRAL?

Eulália Calado1

1- Serviço de Neuropediatria, Hospital Dona Estefânia, CHLC

- Seminário “Neurodesenvolvimento e (Re)habilitação Precoce” CREN, All for you kids. 24 de Outubro de 2015, Lisboa (comunicação oral)

A paralisia cerebral (PC) é a deficiência motora mais frequente na infância ocorrendo em cerca de 2/1000 nado-vivos. É um termo abrangente para designar um grupo de situações clínicas; é uma condição permanente mas não inalterável que origina perturbações do movimento e/ou da postura e da função motora; é devida a uma alteração/lesão/anomalia não progressiva do cérebro imaturo e em desenvolvimento. É uma encefalopatia com disfunção das áreas motoras cerebrais, mas muitas das encefalopatias não apresentam critérios clínicos de PC.
Acordou-se que o diagnóstico definitivo de PC só deverá ser efectuado aos 5 anos de idade (Plano de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral aos 5 Anos de idade- PVNPC5A- que faz parte do sistema europeu de vigilância, SCPE – Surveillance of Cerebral Palsy in Europe). Habitualmente nesta idade já foram excluídas outras doenças neurológicas dos primeiros anos de vida, que se possam manifestar por clínica semelhante à PC, tais como doenças neuromusculares e neurometabólicas, habitualmente de carácter progressivo.
O diagnóstico definitivo de PC pressupõe sempre a realização duma RMN encefálica, que nos informa sobre o “timing”, tipo e extensão da lesão cerebral. No entanto em 10 a 15% dos casos a RMN pode ser normal, o que nos obriga a uma investigação mais aprofundada para excluir síndromes genéticos /metabólicos com compromisso motor, com possibilidade de recidiva em futuras gestações.
Nos países desenvolvidos tem vindo a diminuir os casos de PC por encefalopatia hipóxico-isquémica perinatal mas a prematuridade contribui para mais de metade dos casos de PC de crianças nascidas em Portugal entre 2001-2009, sendo o risco muito superior  nas idades gestacionais inferiores a 28 semanas (71 vezes mais que as nascidas com mais de 36 semanas). A paralisia cerebral já é hoje considerada um indicador da qualidade de prestação de serviços peri e neonatais.
Quanto às formas clínicas de PC, tem vindo a verificar-se um esforço a nível mundial para a uniformização das classificações (tal como já foi conseguido para as escalas da função motora global e da funcionalidade bimanual) e assim poderem ser correctamente comparadas grandes casuísticas de múltiplos centros. De acordo com a SCPE os tipos clínicos de PC são: espástica (unilateral e bilateral com 2, 3 ou 4 membros envolvidos), disquinética (distónica e coreoatetósica) e atáxica.
O prognóstico na criança com PC não só depende do seu compromisso motor como das comorbilidades frequentemente associadas, sobretudo o défice cognitivo, a epilepsia e os deficits sensoriais (subvisão e surdez). Quase metade das crianças do PVNPC5A apresentam um compromisso cognitivo grave (22% QI<20, 25% QI 20-49), que só por si lhes causa dependência.  A epilepsia está presente em mais de 40% e a maioria está sob politerapia. O deficit visual foi referido em 44% das crianças e o deficit auditivo em 14%.
O atraso estaturo-ponderal, estabelecido logo nos primeiros anos de vida e que se mantém na vida adulta, tem sido quase uma constante nas formas mais graves de PC. A gastrostomia tem vindo a melhorar esta situação, embora quase um terço dos casos registados no PVNPC5A ainda esteja abaixo do p3 para o peso e a altura.
Mais de 90% das crianças com PC atingem a idade adulta. A heterogeneidade e complexidade  da paralisia cerebral exige cuidados continuados e o apoio ao longo da vida nas áreas da saúde, educação e segurança social,  através de equipas transdisciplinares com a participação dos pais e familiares e envolvimento da comunidade. A planificação duma transição adequada e harmoniosa para a vida adulta é um dever incontornável de todos os profissionais que prestam cuidados a uma criança com paralisia cerebral.