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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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Homeopatia em Pediatria. Riscos sem benefícios - Relato de Caso

Tiago Rito1, Maria João Lage2, Flora Candeias1, Maria João Brito1

1 Unidade de Infecciologia Pediatrica
2 Gabinete de Risco. Área de Pediatria Médica.
Hospital Dona Estefânia – CHLC - EPE, Lisboa, Portugal

Descrição de Caso: Criança de 3 anos, sexo feminino, previamente saudável com quadro de rinofaringite prévia que recorre ao serviço de urgência por desorientação espacial, agitação psicomotora e alucinações visuais (distorção da imagem dos pais, animais selvagens, fogo), verificando-se anúria e secura das mucosas. As pupilas estavam midriáticas, pouco reativas à luz mas com reflexo direto e consensual mantidos. Apesar dos pais negarem ingestão de quaisquer medicamentos foi pedida pesquisa de tóxicos que foi negativa. Para investigação de eventual encefalite realizou TAC-CE, punção lombar e EEG que não mostraram alterações. No liquor e sangue foram efectuadas pesquisas de CMV, EBV, Mycoplasma pn e Borrelia também negativas. A avaliação pedopsiquiátrica excluiu a hipótese de psicopatia aguda. Após bastante insistência, o pai vem a referir que a criança tinha iniciado uma terapêutica homeopata com dois produtos diferentes nos dois dias anteriores, tendo-se constatado que um deles continha atropina (belladona) e sendo o outro de constituição desconhecida. Progressivamente registou-se melhoria clinica e a criança teve alta ao fim de 48h de internamento assintomática.
A prescrição na dose recomendada deste produto homeopático com atropina (atropa belladona), uma substância reconhecidamente pouco segura em pediatria, originou um quadro de intoxicação atropínica com todos os prejuízos que daí resultaram para esta criança, submetida ainda a uma investigação invasiva e dispendiosa. O produto em causa não era acompanhado de qualquer informação escrita (mecanismo de acção, concentração, efeitos secundários ou precauções a tomar em caso de intoxicação) como também não fora fornecida informação oral aos pais no acto da prescrição.
Num primeiro contacto, o Infarmed referiu a impossibilidade de se realizar um registo de reacção adversa medicamentosa por se tratar de um medicamento homeopático. Posteriormente este registo foi possível após intervenção direta da Direcção Geral de Saúde.
Este caso pretende lançar a discussão sobre a prescrição e administração de produtos homeopáticos em pediatria, a ausência de informação escrita e as dificuldades que os clínicos podem sentir quando pretendem colher informação sobre esta medicação na historia clínica, conhecer os seus efeitos ou notificar reacções adversas.