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Paralisia Cerebral

Eulália Calado1

1- Serviço de Neurologia Pediátrica, Hospital de Dona Estefânia, Centro Hospitalar de Lisboa Central, EPE, Lisboa

  • VIII Curso de formação em Neuropediatria – Problemas frequentes em Neuropediatria. Hospital da Luz, Lisboa, 26 Jan 2013

A paralisia cerebral (PC) é a deficiência motora mais frequente na infância ocorrendo em cerca de 2/1000 nado-vivos. É um termo abrangente para designar um grupo de situações clínicas; é uma condição permanente mas não inalterável que origina perturbações do movimento e/ou da postura e da função motora; é devida a uma alteração/lesão/anomalia não progressiva do cérebro imaturo e em desenvolvimento (Bax M et al, 2005). 
É a doença neurológica motora mais frequente na idade pediátrica e acordou-se que o seu diagnóstico definitivo só deverá ser efectuado aos 5 anos de idade (Plano de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral aos 5 Anos de idade- PVNPC5A- que faz parte do sistema europeu de vigilância, SCPE – Surveillanceof Cerebral Palsy in Europe). Habitualmente nesta idade já foram excluídas outras doenças neurológicas dos primeiros anos de vida, que se possam manifestar por clínica semelhante à PC, tais como doenças neuromusculares e neurometabólicas, habitualmente de carácter progressivo.
O diagnóstico definitivo de PC pressupõe sempre a realização duma RMN encefálica, que nos informa sobre o “timing”, tipo e extensão da lesão. No entanto em 10 a 15% dos casos a RMN pode ser normal, o que nos obriga a uma investigação mais aprofundada para excluir síndromes genéticos /metabólicos com compromisso motor, com possibilidade de recidiva em futuras gestações.
Nos países desenvolvidos tem vindo a diminuir os casos de PC por encefalopatia hipóxico-isquémica perinatal mas a prematuridade contribui para 45% dos casos de PC de crianças nascidas em Portugal entre 2001-2003, sendo o risco muito superior  nas idades gestacionais inferiores a 28 semanas (71 vezes mais que as nascidas com mais de 36 semanas). A paralisia cerebral já é hoje considerada um indicador da qualidade de prestação de serviços peri e neonatais.
Quanto às formas clínicas de PC, tem vindo a verificar-se um esforço a nível mundial para a uniformização das classificações (tal como já foi conseguido para as escalas da função motora global e da funcionalidade bimanual) e assim poderem ser correctamente comparadas grandes casuísticas de múltiplos centros. De acordo com a SCPE os tipos clínicos de PC são: espástica (unilateral e bilateral com 2, 3 ou 4 membros envolvidos), disquinética (distónica e coreoatetósica) e atáxica. Das 513 crianças com PC registadas no PVNPC5A  (Plano  Vigilância Nacional de PC aos 5 anos de idade), 432 apresentavam  um tipo clínico predominantemente espástico (84,2%),  58 disquinético (11,3%),  15 ataxia (2,9%) e em 8 (1,6%) foi considerado um tipo “não classificável”. De entre as crianças com PC espástica (432), a afectação era unilateral (hemiparésia) em 138 (31,65%) e bilateral em 298 (68,3%). Das crianças com PC espástica bilateral, 95 tinham dois membros afectados (32,4%), 22 tinham três membros afectados (7,5%) e 176 tinham afectados os quatro membros (60,1%). De 57 crianças com PC disquinética, 44  eram de tipo distónico (77,2% ) e 13 coreoatetósico (22,8%).
O prognóstico na criança com PC não só depende do seu compromisso motor como das comorbilidades frequentemente associadas, sobretudo o défice cognitivo, a epilepsia e os deficits sensoriais (subvisão e surdez). Quase metade das crianças do PVNPC5A apresentavam um compromisso cognitivo grave (22% QI<20, 25% QI 20-49), que só por si lhes causa dependência.  A epilepsia estava presente em 43% e de entre as crianças com medicação anti-epiléptica, 34,5% estavam em monoterapia e 65,5% em politerapia. O deficit visual foi referido em 44% das crianças e o deficit auditivo em 14%.
O atraso estaturo-ponderal, estabelecido logo nos primeiros anos de vida e que se mantém na vida adulta, tem sido quase uma constante nas formas mais graves de PC. A gastrostomia tem vindo a melhorar esta situação, embora quase um terço dos casos registados no PVNPC5A ainda esteja abaixo do p3 para o peso e a altura.
Mais de 90% das crianças com PC atingem a idade adulta. Das 548 crianças com PC, nascidas em Portugal nos anos de 2001 a 2003, 27 (4,9%) tinham falecido antes dos 5 anos de idade. A heterogeneidade e complexidade  da paralisia cerebral exige cuidados continuados e o apoio ao longo da vida nas áreas da saúde, educação e segurança social,  através de equipas transdisciplinares com a participação dos pais e familiares e envolvimento da comunidade. A planificação duma transição adequada e harmoniosa para a vida adulta é um dever incontornável de todos os profissionais que prestam cuidados a uma criança com paralisia cerebral.

Referências:

  • Andrada MG, Virella D, Folha T, Gouveia R, Cadete A, Alvarilhão J. Calado E. Paralisia cerebral aos 5 anos de idade em Portugal. Crianças com paralisia cerebral nascidas em 2001-203. FAPPC, 2012
  • Bax M, Goldstein M, Rosenbaum P, Leviton A, Paneth N. Proposed definition and classification of cerebral palsy, April 2005. DevMed Child Neurol 2005;47:571-6.
  • Ashwal S. et al. Practice parameter: diagnostic assessment of the child with cerebral palsy. Report of the Quality Standards Subcommittee of the American Academy of Neurology and the Practice Committee of the Child Neurology Society. Neurology2004.
  • WHO - EURO-PERISTAT PROJECT - European Perinatal Health Report, 2008.
  • Bax M and al. Clinical and MRI Correlates of Cerebral Palsy; The European Cerebral Palsy Study. JAMA2006
  • Leonard JM et al. Should children with cerebral palsy and normal imaging undergo testing for inherited metabolic disorders? Dev Med Child Neur2011
  • Krägeloh-Mann I, Horber  V. The role of magnetic resonance imaging in elucidating the pathogenesis of cerebral palsy: a systematic review. Dev Med Child Neurol2007

Palavras-chave: paralisia cerebral