1 - Pediatria Médica, Área de Pediatria Médica, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa
2 - Unidade de Desenvolvimento, Área de Pediatria Médica, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa
- Seção clínica da Área de Pediatria Médica
As experiências adversas na infância (ACE, do inglês, Adverse Childhood Experiences), são eventos traumáticos que ocorrem na infância, tais como abusos (físico, psicológico, sexual), negligência (emocional ou física) e disfunção familiar (violência doméstica, abuso de substâncias, doença mental num progenitor, prisão, separação/divórcio dos pais).
Estas experiências adversas podem ter, previsivelmente, repercussão no neurodesenvolvimento, na regulação emocional e nas funções executivas, a médio e longo prazo. No entanto, existem consequências biológicas dos ACE, menos conhecidas, mas igualmente importantes em termos de saúde pública. Ao condicionar disrupção dos mecanismos fisiológicos de resposta ao stress, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento de doenças do sistema cardiovascular, do sistema imunitário e da regulação metabólica.
De facto, o stress tóxico, com ativação crónica do eixo sistema límbico-hipófise-suprarrenal e o sistema simpático-suprarrenal tem repercussões na saúde física das crianças, levando a um risco aumentado na idade adulta, de HTA, doenças cardiovasculares, obesidade, doenças auto-imunes e neoplasias. Para além disto pode conduzir a uma modificação epigenética transmissível a gerações futuras.
Tendo em conta a prevalência dos ACE, torna-se fundamental para o pediatra e médico de família, identifica-las e procurar diminuir o seu impacto na vida da criança promovendo fatores de resiliência, uma vez que as intervenções psicossociais podem diminuir o stress na criança e família, melhorar o neurodesenvolvimento, a regulação emocional e as funções executivas da criança no futuro. Adicionalmente, a prevenção dos ACE e a diminuição do stress tóxico pode ter impacto na saúde pública, ao ter a capacidade de prevenir doenças altamente incapacitantes na idade adulta.