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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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SÍNDROME DE CATARATAS CONGÉNITAS, DISMORFIAS FACIAIS E NEUROPATIA: “GOING BACK TO THE BASICS”

Mafalda Melo1, Jorge Oliveira2, Inês Carvalho1, Diana Antunes1, Rui Gonçalves1

1 - Unidade de Genética Médica, Área de Pediatria Médica, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar e Universitário de Lisboa Central, Lisboa, Portugal
2 - CGPP - Centro de Genética Preditiva e Preventiva, IBMC - Instituto de Biologia Molecular e Celular, I3S - Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, Universidade do Porto, Porto, Portugal

- Reunião interinstitucional - IX Reunião de Neurogenética, comunicação oral

Resumo:
Introdução: A síndrome de cataratas congénitas, dismorfias faciais e neuropatia (CCDFN, OMIM#604927) é uma doença rara de hereditariedade autossómica recessiva que ocorre exclusivamente na população cigana. É caracterizada por anomalias oculares (catarata congénita, microcórnea, microftalmia), dismorfias faciais ligeiras, e neuropatia periférica distal, simétrica e hipomielinizante. Achados adicionais incluem: escoliose secundária e deformidades esqueléticas, défice cognitivo ligeiro, envolvimento cerebeloso com ataxia e nistagmos, baixa estatura, hipogonadismo hipogonadotrófico, rabdomiólise parainfeciosa e complicações anestésicas. Todos os doentes reportados até à data apresentam, invariavelmente, a variante intrónica patogénica, NM_004715.5(CTDP1):c.863+389C>T, em homozigotia, originada a partir de um efeito fundador na população cigana.
Caso clínico: Lactente com cataratas congénitas bilaterais e microftalmia congénitas. Exame neurológico e ecografia transfontanelar sem alterações. Investigação etiológica com rastreio TORCH, rastreio metabólico e galactosemia normais. O estudo genético consistiu na análise de um painel multigene associados a catarata congénita, através da sequenciação de nova geração (NGS) não tendo sido identificadas variantes potencialmente patogénicas. Aos 2 meses de idade, foi proposto para facoemulsificação de catarata, sofrendo paragem cardiorrespiratória após indução anestésica, com subsequente admissão na UCIP. Neste contexto, foi solicitada avaliação pela especialidade de Genética Médica. Após a revisão dos antecedentes familiares, nomeadamente a existência de um irmão de 2 anos com catarata congénita e neuropatia periférica, e especialmente considerando a sua etnia cigana, levou‑nos a colocar a hipótese de diagnóstica de CCDFN. O estudo molecular dirigido no gene CTDP1, envolvido nesta entidade clínica, identificou a presença da variante c.863+389C>T em homozigotia, confirmando a nossa suspeita diagnóstica. As recomendações clínicas consistiram na monitorização para potenciais complicações associadas (durante e após) a anestesia, como estridor ou hipertermia maligna, e alertamos para a susceptibilidade para a ocorrência de rabdomiólise parainfeciosa. A cirurgia a cataratas aos 9 meses ocorreu sem complicações. Referenciamos o caso índex e o irmão para seguimento do desenvolvimento psicomotor e de complicações neuropáticas. Disponibilizamos ainda aconselhamento genético aos progenitores, portadores para CCDFN, informando sobre o risco de recorrência de 25% para esta patologia.
Discussão e conclusão: Aqui pretende-se salientar que a estratégia diagnóstica deve ser sempre suportada pela história clínica, sendo essencial para a orientação do estudo genético. Neste caso seria relevante valorizar, de imediato, a origem étnica e os antecedentes familiares, indicando a CCDFN como uma forte hipótese diagnóstica. Como tal, justificar-se-ia o estudo molecular dirigido para a variante fundadora no gene CTDP1, anteriormente associado a doentes de etnia cigana, como uma abordagem de primeira linha. Adicionalmente, é importante ter presente as limitações intrínsecas das diferentes técnicas de biologia molecular no diagnóstico. Neste caso, encontrando-se esta variante fundadora numa região intrónica profunda (a 389 bases da região exónica mais próxima), não seria identificável através da análise de painéis multigene por NGS, pois são essencialmente direcionados para as regiões exónicas (e intrónicas adjacentes). O recurso à (“antiga”) sequenciação de Sanger, tendo como base a técnica de PCR para amplificação da região intrónica referida, para além de ser consideravelmente mais custo‑efetiva, revelou-se de extrema utilidade clínica neste caso.

Palavras Chave: Síndrome de cataratas congénitas, dismorfias faciais e neuropatia; gene CTDP1; população cigana