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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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MIOCARDITE COVID-19 EM DOENTE COM CARDIOPATIA. O FIO DA NAVALHA

Joana Suarez1, Tiago Milheiro Silva2, Conceição Trigo1, Isabel Menezes3, Maria João Brito2

1 - Unidade de Cardiologia Pediátrica, Hospital Santa Marta, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa
2 - Unidade de Infecciologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central, Lisboa
3 - Serviço de Cardiologia Pediátrica, Hospital de Santa Cruz, Centro Hospitalar Lisboa Ocidental, Lisboa

- Comunicação Oral nas 17as Jornadas da Sociedade da Infeciologia Pediátrica

Introdução: As complicações cardiovasculares da COVID-19 incluem miocardite, arritmias, insuficiência cardíaca e choque. Os mecanismos são atribuídos à infeção viral direta do miocárdio ou à toxicidade indireta da infeção sistémica, que pode desencadear vasculite ou reação de hipersensibilidade.
Descrição: Criança de 10 anos, com cardiomiopatia dilatada idiopática estabilizada, diagnosticada desde há cinco anos com agravamento súbito da insuficiência cardíaca (FE 23%, VE 59mm) com dor abdominal, vómitos, diarreia, odinofagia, obstrução nasal, rinorreia e cansaço para esforços progressivamente menores na semana antes do internamento. Na admissão apresentava-se taquicardica com FC 100 bpm, hipotensa TA 82/52 mmHg e extremidades frias. Na auscultação cardíaca havia sopro holossistólico grau III/VI com ingurgitamento jugular a 35º e hepatomegália 2 cm abaixo da grelha costal. Analiticamente leucócitos 4.45 x109/L, neutrófilos 1.08 x109/L, linfócitos 1.69 x109/L, PCR 10.4mg/L, CK 179 U/L, troponina 58.6 pg/mL (VR<15.6) e NT-proBNP 1011 pg/mL (VR<317). A PCR SARS-CoV-2 era positiva e a PCR para outros vírus respiratórios nas secreções foi negativa. A teleradiografia do tórax em PA apresentava cardiomegália e infiltrado reticular difuso e o ECG não tinha alterações significativas. O ecocardiograma revelou disfunção sistólica grave (FE 14%, VE 63mm) pelo que iniciou dopamina e posteriormente milrinona. A TAC torácica era compatível com pneumonia COVID com CVCT1 (Classic/Probable COVID-19 infection), pelo que foi associado remdesivir. A RM cardíaca mostrou ventrículo esquerdo marcadamente dilatado (VTD 239mL/m2) com disfunção grave por hipocinésia global. Observou-se melhoria clínica progressiva e teve alta medicada com carvedilol, furosemida e captopril. Após cinco meses e múltiplos internamentos por descompensação da insuficiência cardíaca com presença de extrassistolia ventricular frequente, com períodos de bigeminismo, colocou cardioversor desfibrilhador implantável. A evolução foi, no entanto, desfavorável e seis meses após a miocardite por SARS-CoV-2 foi submetida a transplante cardíaco.
Discussão: A evidência da associação entre COVID-19 e aumento da morbidade e mortalidade por doenças cardiovasculares, sobretudo em crianças com patologia cardiovascular prévia, é cada vez mais forte. A monitorização da insuficiência cardíaca e exames complementares, como o ecocardiograma e a ressonância magnética cardíaca, podem auxiliar na investigação. O seguimento é imprescindível, visto que ainda se desconhece a real evolução a longo prazo da disfunção miocárdica nestes doentes, nomeadamente nos que têm doença cardíaca prévia.

Palavras Chave: COVID-19, Miocardite, Pediatria, SARS-CoV-2, Transplante