1 - Serviço de Otorrinolaringologia, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central
2 - Serviço de Genética Médica, Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central
- Comunicação livre no 67º Congresso da Sociedade Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia da Cabeça e Pescoço, 26 a 27 de Setembro de 2020
Introdução: A doença do espectro da neuropatia auditiva (auditory neuropathy spectrum disorder, ANSD) designa um grupo patológico em que ocorre dessincronia neural e input reduzido na transmissão do estímulo ao longo da via auditiva. Sendo a função das células ciliadas externas normal, as otoemissões acústicas (OEAs) e/ou potenciais microfónicos cocleares estão presentes, com ausência ou alteração marcada dos potenciais evocados auditivos do tronco cerebral (PEATC). Os limiares tonais na ANSD podem ser muito variáveis, oferecendo um desafio importante na reabilitação auditiva.
Objectivos: Identificar os casos pediátricos de ANSD do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (CHULC) entre 2012 e 2018, descrever as suas características e analisar os métodos de reabilitação auditiva aplicados e seus resultados.
Material e Métodos: Análise retrospectiva dos processos clínicos dos doentes avaliados em Consulta de Reabilitação Auditiva pediátrica do CHULC entre 2012 e 2018. Foram excluídos os casos de hipoacusia não confirmada, de condução ou mista. Utilizaram-se como critérios de selecção a existência de PEATCs sem resposta ou com resposta marcadamente anormal confirmadas e 1) OEAs presentes e/ou 2) limiares tonais desproporcionais face aos resultados electrofisiológicos. Registo das características epidemiológicas, audiométricas e electrofisiológicas, comorbilidades, métodos e resultados de reabilitação auditiva dos casos seleccionados.
Resultados: Foram avaliados 671 processos clínicos correspondentes à população em estudo. Após aplicação dos critérios de exclusão, obtiveram-se 467 casos de hipoacusia sensorioneural confirmada. Destes, 12 casos cumpriam critérios de ANSD, correspondendo a uma prevalência na nossa população de 2,6%. Todos os casos encontrados eram bilaterais. Os dados relativos ao rastreio auditivo neonatal universal (RANU) foram obtidos em 75% dos casos. A maioria dos ouvidos apresentava PEATCs sem ondas na primeira avaliação (67%) ou com onda V detectável em média a 101 dB (33%). Os resultados audiométricos destacam-se pela sua heterogeneidade e variabilidade ao longo do tempo. Os factores de risco detectados com maior frequência foram a grande prematuridade (3 casos) e a hiperbilirrubinémia com necessidade de exsanguineotranfusão (4 casos). Sete crianças foram reabilitadas com prótese auditiva, das quais 3 foram, entretanto, submetidas a implantação coclear.
Conclusões: A ANSD é uma condição rara e que se associa a vários factores de risco. Apresenta-se com resultados audiométricos muito heterogéneos. A adaptação de prótese auditiva poderá não ser suficiente para melhorar a dessincronia neural, mesmo perante bons ganhos tonais. Assim, a escolha da reabilitação auditiva tem de ser individualizada de acordo com o desempenho funcional de cada criança e a implantação coclear não pode ser protelada, mesmo perante limiares tonais normais ou pouco alterados, tornando a abordagem da ANSD desafiante.