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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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SÍNDROME DE INTESTINO CURTO (SIC) EM PEDIATRIA

Raul Silva1

1 - Unidade de Cuidados Respiratórios e Nutricionais ( UCERN ) , CHULC.

- Prelecão no XX Congresso  da APNEP-Associaçâo Portuguesa  de Nutriçâo  Entérica e Parentérica, Lisboa ,15 de Outubro de 2018

Resumo:
A SIC é uma doença rara e potencialmente mortal caracterizada pela redução de mais de 50% do comprimento intestinal geralmente resultante de ressecção cirúrgica extensa afectando a capacidade de absorção de nutrientes e fluidos entéricos. É a principal causa de insuficiência intestinal, situação em que a redução da massa funcional do intestino é incapaz de absorver nutrientes, água e electrólitos suficientes para manter o crescimento, sem nutrição parentérica (NP). A insuficiência intestinal define-se como dependência de NP durante pelo menos 90 dias. As causas mais comuns são a enterocolite necrotizante, a gastrosquise, a atrésia intestinal e o volvo. Para o prognóstico considera-se o comprimento do intestino residual, o local ressecado, a qualidade do intestino delgado residual, a presença da válvula ileocecal, o comprimento do cólon remanescente, a continuidade com o cólon, a idade da criança. Intestino residual maior que 41cm e citrulina maior que 20 μmol/L são preditivos de autonomia entérica A adaptação intestinal inicia-se 12 a 24 horas após a ressecção com aumento da altura das vilosidades e da profundidade das criptas, proliferação e migração das células para a extremidade das vilosidades, aumento do comprimento e da circunferência do intestino. A ressecção do duodeno conduz à má absorção do ferro, cálcio e ácido fólico; a do jejuno à má absorção dos hidratos de carbono, lípidos, aminoácidos, oligoelementos e vitaminas e a do íleon à de ácidos biliares, vitamina B12, vitaminas lipossolúveis, além dos hidratos de carbono, aminoácidos, lípidos e oligoelementos. Os principais objectivos do tratamento são manter o crescimento e o desenvolvimento, promover a adaptação intestinal, prevenir as complicações ou morte atingir a autonomia entérica ou a independência da NP, o que requer equipa multidisciplinar de suporte nutricional. A terapêutica inicia-se logo no pós-operatório em que há desequilíbrios hidroelectrolíticos resultantes das grandes perdas de fluídos com elevado conteúdo de sódio, obrigando por vezes aporte de soluções parentéricas com 80-100 mEq/L de sódio. Também ocorre hipersecreção ácida que deve ser tratada com anti-secretores gástricos. A NP é fornecida através de catéteres venosos centrais (CVC) de longa duração. O aporte de macronutrientes, de micronutrientes e das vitaminas deve respeitar as necessidades de acordo com a idade e peso da criança. Os hidratos de carbono não devem fornecer mais do que 75% das necessidades calóricas e as emulsões lipídicas (ELs) devem ser as mais apropriadas para prevenir a doença hepática. Na Europa a emulsão mais utilizada é uma mistura de óleo de soja (30%), óleo de coco (30%), azeite (25%) e óleo de peixe (15%) com adição de a-tocoferol, com um equilíbrio correcto entre os ácidos gordos polinsaturados ómega 6/ómega 3 diminuindo a lesão hepática resultante dos efeitos inflamatórios e oxidativos. Segue-se a alimentação entérica (AE) que deve ser iniciada logo após o íleus pós-operatório. O ideal é o leite materno, mas, na sua falta, usa-se fórmulas elementares ou semi-elementares, inicialmente de forma contínua por sonda nasogástrica com progressão conforme a tolerância. Pequenos volumes por via oral previnem a aversão alimentar. A introdução de sólidos começa cerca dos 4-6 meses. A AE é o factor principal da hiperplasia da mucosa, fundamental para a adaptação intestinal estimulando as secreções gástricas, pancreáticas e biliares e produzindo hormonas tróficas. Logo que possível inicia-se a NP cíclica que permite a libertação cíclica de hormonas gastrintestinais, reduz a hiperinsulinémia reactiva e permite mobilidade do doente. As complicações mais importantes estão relacionadas com a NP, sendo a sépsis associada ao CVC a mais comum e causa importante de morbilidade e mortalidade. Deve-se ter protocolos para prevenir, diagnosticar e tratá-la precocemente. Regras de assepsia na manipulação de CVC são fundamentais. O uso de “locks” de taurolidina também é eficaz na prevenção. A complicação mais grave é a Doença Hepática Associada à Insuficiência Intestinal (DHAII) que quando terminal é a principal causa de transplante intestinal isolado ou combinado hepático e intestinal. Previne-se usando ELs adequadas, promovendo a AE, prevenindo a sépsis associada ao CVC, tratando o hipercrescimento bacteriano e com cirurgia de reconstrução autóloga para alongamento e modelagem do intestino- Longitudinal Intestinal Lenthening and Tailoring (LILT) e Serial Transverse Enteroplasty (STEP) aumentando a absorção e melhorando a motilidade. Deve-se fazer exames laboratoriais periódicos para prevenir défices de micronutrientes e vitaminas, sobretudo quando se reduz NP. O transplante intestinal está indicado em situações de DHAII terminal e esgotamento de acessos venosos centrais. Novas perspectivas terapêuticas estão em curso como o uso de teduglutide, análogo do GLP-2 para promover a adaptação intestinal estando em investigação o uso de células estaminais e a engenharia tecidual.

Palavras Chave: Síndrome de Intestino Curto, Insuficiência Intestinal, Nutrição Parentérica e Entérica, Complicações