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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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OBESIDADE GRAVE - MUITO MAIS DO QUE ESTILOS DE VIDA

Joana Matias1, Marta Amorim2, Lurdes Lopes3, Catarina Limbert3

1 - Serviço de Pediatria, Hospital Garcia de Orta.
2 - Serviço de Genética Médica; Hospital de Dona Estefânia; Área da Mulher, Criança e Adolescente; Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central
3 - Unidade de Endocrinologia Pediátrica; Hospital de Dona Estefânia; Área da Mulher, Criança e Adolescente; Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central.

- Reunião Anual da Sociedade Portuguesa de Nefrologia Pediátrica de 2018

Introdução: A obesidade pediátrica é um importante problema de saúde pública. Em Portugal, embora o recente decréscimo, 30.7% das crianças apresentam excesso de peso e 11.7% são obesas. Em cerca de 95% dos casos a obesidade é exógena; no entanto, em algumas crianças são identificadas causas endógenas. A etiologia genética deve ser considerada nas crianças com traços dismórficos, atraso do desenvolvimento psico-motor (DPM), obesidade grave de início precoce (antes dos 5 anos), hiperfagia ou história familiar de obesidade grave. Independentemente da etiologia, o pilar do tratamento é a adopção de um estilo de vida saudável (dieta equilibrada e exercício físico regular). No entanto, causas genéticas específicas poderão beneficiar da instituição de outras estratégias.
Caso clínico: Os autores apresentam o caso de uma adolescente do sexo feminino, 15 anos de idade, referenciada à consulta de Endocrinologia aos 10 anos por obesidade e elevada estatura. Antecedentes pessoais de parto pré-termo tardio, peso ao nascer de 2640g e comprimento de 48cm (adequados para a idade gestacional); adequado DPM; história de atopia. Sem história familiar de excesso de peso; estatura alvo-familiar de 165.5cm (z-score +0.36). Progressão estaturo-ponderal inadequada desde o primeiro ano de vida, com peso significativamente superior ao P97 desde os 15 meses e estatura superior ao P97 desde os 3 anos. Negava história de hiperfagia ou outra sintomatologia; menarca aos 10,5 anos. Ao exame objectivo inicial apresentava sinais cushingóides, peso de 86.9kg (z-score +5.26), altura de 160.1cm (z-score +3.35), IMC de 33.9 kg/m2 (z-score +3.95) e Tanner M3P4. A avaliação endócrino-metabólica inicial revelou insulin-like growth factor 1 (IGF-1) aumentado (restante função hipofisária normal), leptina diminuída, hiperinsulinismo marcado e idade óssea avançada 2,5 anos. Na prova de tolerância à glicose oral não se verificou completa supressão dos níveis séricos de somatotropina. Foi realizada ressonância magnética da sela turca que revelou aumento do volume da adenohipofise (hiperplasia da hipófise versus microadenoma). Nas avaliações seguintes, constatou-se normalização do IGF-1, valores de leptina flutuantes e persistência de hiperinsulinismo marcado; exames neuro-imagiológicos seriados sobreponíveis ao inicial. A adolescente manteve ganho ponderal excessivo e desproporcionado em relação à evolução estatural. Perante isto, realizou estudo genético que identificou mutações em três genes: 1) melanocortin-4 receptor (MC4R) em heterozigotia; 2) ghrelin (GHRL) em heterozigotia; 3) aquaporin 7 (AQP7) em homozigotia. Foi realizado estudo genético dos progenitores demonstrando que a variante do gene MC4R foi herdada do pai (sem excesso ponderal).
Comentários: Trata-se de um caso de obesidade grave de início precoce, não sindromática, sem atraso do DPM e sem polifagia, em que se detectaram mutações em três genes distintos. As mutações do gene MC4R têm sido descritas como a principal causa de obesidade genética. No entanto, a variante detectada na adolescente não explica per si a obesidade. Mutações dos genes GHRL e AQP7 têm sido descritas como factores de risco para obesidade, não explicando isoladamente o quadro clínico descrito. Pode-se presumir que será a combinação das três mutações que justifica esta clínica. Concluindo, perante uma obesidade grave de início precoce, a etiologia genética deve ser sempre equacionada.

Palavras Chave: obesidade; melanocortin-4 receptor; ghrelin; aquaporin 7.