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2023

ANUÁRIO DO HOSPITAL
DONA ESTEFÂNIA

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INFECÇÃO A ENTEROVÍRUS 71 … AMEAÇA DE SAÚDE PÚBLICA EMERGENTE

Paulo Venâncio1, Anaxore Casimiro1, Marta Oliveira1, Rosalina Valente1, Maria João Brito2, Rita Silva3, Carla Conceição4, Lurdes Ventura1.

1 – Unidade de Cuidados Intensivos Pediátricos, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E.;
2 – Serviço de Infecciologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E.;
3 – Serviço de Neurologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E.;
4 – Serviço de Radiologia, Hospital Dona Estefânia, Centro Hospitalar Lisboa Central, E.P.E.

- Sala de Conferências do HDE, 13 de Março de 2012 (Apresentação).
- AEP 2012 – 61º Congreso de la Asociación Española de Pediatría, 31 Maio a 2 Junho 2012, Granada (comunicação oral).

Introdução: Os enterovírus afectam principalmente crianças, causando doença mãos, pés, boca (DMPB). As complicações neurológicas (paralisia flácida, rombencefalite) e sistémicas (edema pulmonar e colapso cardiorrespiratório) são raras. Estes vírus ocorrem por surtos e os serótipos variam de região para região. O enterovírus 71 (EV71), responsável por epidemias recorrentes e doença grave na Ásia/Pacífico, nunca tinha sido previamente descrito em Portugal.

Caso clínico: Lactente, 17 meses, saudável, transferido para o nosso hospital por tetraparésia flácida rapidamente progressiva com dois dias de evolução, associada a letargia, hiporreflexia periférica e abolição de reflexos do tronco cerebral (TC) à excepção dos fotomotores, sinais meníngeos e íleus intestinal. História prévia de infecção respiratória, diarreia, febre e lesões da mucosa oral. Perante a hipótese de romboencefalite ou encefalomielite disseminada aguda e atendendo à gravidade, foi medicado com ceftriaxone, aciclovir, ciprofloxacina, imunoglobulina e corticoterapia.
A situação complicou-se de edema agudo do pulmão e instabilidade hemodinâmica, com quatro paragens cardíacas nas primeiras 12 horas de internamento que responderam às manobras de reanimação cardiorrespiratória avançada e suporte inotrópico.
Os electroencefalogramas revelaram disfunção encefálica difusa. O exame citoquímico do líquor em D3 de internamento foi normal. Imunoglobulinas séricas (antes da administração de imunoglobulina) e no líquor foram normais. A ressonância magnética (RM) encefálica/medular em D5 demonstrava encefalopatia hipóxico-isquémica, mas também lesões no tegmen bulbar, protuberância, núcleos dentados e segmento adjacente do cerebelo, aspectos sugestivos de rombencefalite a enterovírus. A Polimerase chain reaction para enterovírus no líquor foi negativa, mas positiva nas fezes e na cultura identificou-se EV71 genótipo C2. Foi negado contexto epidemiológico com países asiáticos e feita notificação à Direcção geral de Saúde.
Evoluiu para tetraparésia espástica com hiperreflexia osteotendinosa e diplegia facial, com recuperação parcial dos reflexos do TC. Por ausência de reflexo faríngeo e hipoventilação central, foi traqueotomizado em D34. RM encefálica/medular em D50 revelou evolução para cavitação nas lesões previamente descritas no TC e medula cervical, atrofia encefálica difusa e lesões cortico-subcorticais hipóxico-isquémicas.
Este caso é um alerta da emergência do EV71 na Europa. Este vírus, nomeadamente este genótipo, cursa com elevada morbilidade e mortalidade, sobretudo abaixo dos cinco anos de idade. Não havendo terapêutica comprovadamente eficaz, o uso de corticóides e imunoglobulina poderá ser benéfico. Intervenções para controlar as epidemias, como o desenvolvimento de vacinas, estão em curso.

Palavras-chave: enterovirus 71, complicações neurológicas, romboencefalite.